Tuesday, January 27, 2009

O Esgoto da Sociedade - Capitulo VI

Os poucos raios de sol que passam pelo cerco montado pelas nuvens negras que pairam sobre este lugar maldito iluminam aqueles dois opostos em conversação.
Rapaz e rapariga. Preto e branco. Yin e Yang. O Inferno e o Paraíso.
A curiosidade crescia nos pensamentos da rapariga. As perguntas aumentavam a um ritmo estonteante. De repente, o instinto falou mais alto que a razão. A rapariga inquiriu:
"Porquê eu?"
O rapaz sabia esta resposta de cor.
"Porque eu vejo a tua alma, a tua personalidade. Tu és diferente. Tu destacas-te de uma multidão de raparigas idiotas, superficiais e "agarradas" das modas. Até tu notas-te que a tua visão do mundo mudou. Tudo o que antes era importante, agora é banal. O que interessa e envolve a memoria curta do outros para ti é desinteressante. As pessoas repetem-se. Tudo é..."
"Igual..." completa a rapariga, chocada com a sua descoberta.
Era tudo tão estranho, mas ao mesmo tempo tão certo. Aquele rapaz - cuja cara ainda não tinha sido revelada, por estar de costas para si - parecia saber mais sobre ela do que ela própria.
De súbito, uma neblina abate-se sobre eles, tornando tudo num misto de cinzento e negro das nuvens.
O rapaz vira-se e começa a aproximar-se da rapariga. Tudo o que a rapariga vê são os seus intensos olhos verdes, aquelas esmeraldas aprisionadas pela dor e sofrimento que a congelam a cabeça e o corpo a cada passo que davam na sua direcção.
"Agora tens duas escolhas." começou o rapaz, olhando-a olhos nos olhos, bem dentro da sua alma. "Podes sair daqui, não acreditares numa palavra do que te acabei de dizer e revelar o meu esconderijo as almas penadas lá em baixo. Ou podes..."
O rapaz é silenciado pelos lábios da rapariga. O choque inicial deu lugar á retribuição do beijo. A rapariga abraçou-se a ele e carinhosamente encostou-se a ele, rompeu o beijo e pousou a sua cabeça delicadamente no ombro direito do rapaz. Uma sensação de liberdade e felicidade inundou o coração dela. À medida que apagava da sua memória tudo o que tinha tomado como certo até agora, pronunciava as palavras da sua libertação:

"Eu escolho-te a ti."

Monday, January 19, 2009

O Esgoto da Sociedade - Capitulo V

O rapaz vira-se para trás, atordoado com uma voz inesperada. Encontra a rapariga que, com a sua figura, contrasta com as nuvens negras que passam no céu. A pergunta ecoa na sua cabeça. Porquê? Porquê? Porquê?
A pergunta não é nova, e a resposta não é simples...
"Porque o destino assim ditou. Porque a chance nunca me foi dada para ser um deles. Porque mesmo que essa chance me fosse oferecida, eu nunca a aceitaria. Porque eu gosto da minha individualidade. Porque conviver com essas pobres almas penadas por "tendências", "modas" e outros afins estúpidos nesta sociedade construída a cuspe e "popularidades" seria impossível e impensável."
A rapariga ouviu cada palavra, absorvendo cada silaba, como uma esponja. Aquela realidade era inconcebível, irreal, dolorosa demais para sequer pensar. Mas o rapaz vivia nela.
"Mas porque não os aceitas como eles são?" tenta a rapariga perceber.
O rapaz dá um escasso riso, olhando para o horizonte distante.
"Eu tentei. Foram eles que não me aceitaram a mim. Um grande homem uma vez disse: "Quem torna as revoluções pacificas impossíveis, torna as revoluções violentas inevitáveis." Eles rejeitam-me por ser quem sou. Esta é, ao mesmo tempo, a minha eterna maldição e o meu maior poder.

O poder da individualidade. A revolução silenciosa..."

Wednesday, January 14, 2009

O Esgoto da Sociedade - Capitulo IV

Nuvens negras pairam sobre os restos desta "comunidade", movendo-se rapidamente, como se nem elas quisessem dar as suas sobras a este lugar desprovido de razão.
Mais abaixo,no seu poleiro predilecto, o rapaz vigia o que se passa por baixo como uma ave de rapina, analisando a competição.
No chão, a rapariga chega a decisão que está na hora de desvendar o mistério que a assola a tempo demais. Lentamente, dirigiu-se aos telhados, pensando sempre em voltar para trás. Esses pensamentos evaporaram com a aragem que passava quando ela viu o rapaz. Aqueles olhos verdes, aquelas esmeraldas amaldiçoadas, tão perto do toque... mas tão longe da alma.
A rapariga começou a aproximar-se e, passo a passo, ia formulando o que havia de dizer. Ela lidava bem com as pessoas, mas estava mais que claro que ele não era um qualquer. O rapaz, sem noção da rapariga, começa a cantar os versos que ficaram marcados no seu coração e na sua alma. Os versos que dão alento á sua cruzada:

I'm a nightmare, a disaster,
that's what they always say.
"You're a lost cause, not a hero!"
But i'll make it on my own!
I've got to prove them wrong!
They'll never bring me down!
I'll never fall in line!
I'll make it on my own!
It's me against this world!

As palavras ecoaram brevemente, a voz do rapaz cessou, e a rapariga,perante esta cena, sentiu o coração a tremer dentro do seu peito. Que dor. Que martírio. A sua boca abriu-se.

Quem?
Como?
"Porquê?"

Friday, January 9, 2009

O Esgoto da Sociedade - Capitulo III

Estaria ela a endoidecer?
No inicio, era uma rapariga normal. Tudo era lindo, todos era simpáticos e a vida tinha outro sabor. Obviamente que havia sempre as invejosas, e o seu numero foi aumentando com o crescimento da sua popularidade. Para ela, fazia sentido, e pouco se importava, pois tinha sempre alguém para lhe tratar do assunto. Mas, com o passar dos tempos, algo lhe parecia fora do vulgar.Todos parecia mais sinistros e idênticos. As diferenças únicas e caracterizantes davam lugar a estilos iguais, modos e assuntos de conversa idênticos,as roupas eram sempre as mesmas e as atitudes tornavam-se repetitivas e estúpidas.
Alem disso, parecia começar a ver coisas. Quando olhava distraidamente para um lugar escuro, dois olhos brancos olhavam directamente para ela e desapareciam imediatamente, como se por magia. Uma silhueta erguia-se em cima dos edifícios por onde passava todos os dias. Uma silhueta de um rapaz.
Quem era ele? Porque estaria ali? Porque é que o olhar dos seus olhos reflectia dor e esperança ao mesmo tempo?

"Tenho de descobrir..."

Monday, January 5, 2009

O Esgoto da Sociedade - Capitulo II

Mais um dia se passa, e cada vez mais aquela sub-sociedade se afunda nos confins da miséria humana. O rapaz, amigo das sombras e da escuridão, esgueira-se dos nojos encontrados a cada esquina. O isolamento salva-o das loucuras daquele buraco infernal esquecido por Deus.

Finalmente sozinho, no seu lugar predilecto, visiona tudo e todos, como um anjo. Um anjo negro, vingativo, rebelde e justo, mais precisamente. No entanto, está sozinho, sem apoio, sem ninguém para se depender ou para depender dele. Esse facto comia-o por dentro, impiedosamente, a cada dia que passava. Como se já não fosse suficiente aguentar tudo o que pelos seus olhos passa todos os dias a toda a hora.

No entanto, sempre havia qualquer coisa que o afastava da miséria infinita á sua volta. Olhando em volta, avistou-a rapidamente. Afinal, estava num ponto alto e, alem disso, já distinguia a sua silhueta do resto das raparigas vendidas que se passeavam com os seus trajes decadentes e pecaminosos. Sempre a achou um caso a parte, apesar de ela se passear com os cabecilhas depravados. Sempre fez julgamentos certos em relação a pessoas, já que estava habituado a desconfiar delas. No entanto, havia algo que a destacava do resto. Também, para ela era fácil sobressair-se do resto das raparigas. Cada uma era mais idiota e escrava das tendências que a ultima. Mas ela não. Ouvira também rumores, coisa que não faltava nos corredores sombrios por onde escondia, que a aclamavam como alguém de uma inteligência acima da média. Isso alegrava-o, talvez ela pudesse ver as coisas como ele via. Talvez ele lhe pudesse mostrar a sua visão privilegiada sobre o que ela considerava “bom” e ele considerava “mau”. Talvez ela o entendesse.

"Talvez…"

Sunday, January 4, 2009

O Esgoto da Sociedade - Capitulo I

O portão imponente de metal separa duas realidades distintas, quase demasiado diferentes para existirem no mesmo lugar. Do lado de fora, uma sociedade organizada, regida por regras e regulamentos. Do lado de dentro, um sub-mundo de arrogância, inveja, dominado pelo mais popular e pavimentado a historias dignas de telenovelas mexicanas.
A passagem de um lado para o outro é simples, mas as diferenças notam-se num piscar de olhos. Cada passo dado queima com as bocas manhosas e impiedosas de quem nem sequer conhecemos. Ao entrar na estrutura principal, milhares de olhares se concentram, procurando uma falha, um gesto menos normal, um motivo para atacar. Aproveitando as sombras, ele vai-se esgueirando, evitando os cabecilhas daquela sub-sociedade, garantindo a sua sobrevivencia por mais um dia. Vai ouvindo as ultimas noticias que as raparigas barulhentas gritam para o ar, em jeito de segredo. Ainda há alguma coisa que o faz rir naquele inferno. Ele sobe ao topo de uma estrutura, olhado para baixo, onde os lideres lideram os seus grupos em sessões de boémia e degradação. Do outro lado, pequenos rapazes brincam, não ligando á podridão do ambiente que os rodeia, como uma epidemia que apenas ele e as crianças estão vacinadas contra. As pequenas raparigas agem como as mais velhas, aspirando popularidade e perdendo sanidade á fracção de segundo. Será outra geração perdida nas malhas da popularidade e falta de valores serios. Os chefes desta tamanha desorganização olham com orgulho para tudo o que fizeram para destruir a formação da nova geração, escolhendo já os seus herdeiros, que causaram a destruição da proxima geração. Perante este cenário horripilante e negro, o rapaz, no topo, onde ninguem o pode ouvir nem ver, comenta, irónicamente:

"Que bom que é voltar para a escola..."